Culturas
Meu irmão chinês
Além de nossa irmandade afetiva e profissional compartilhamos um interesse profundo pela poesia
Por Paulo Rosa
Pediatra
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Criado eu no interior de Piratini, meu irmão, em compensação, nasceu na também pequeníssima Qian Shan, encravada na província de Anhui, mais ao norte da China continental. Sua região já mostra vida, dizem uns entendidos, há cerca de 2,5 milhões de anos _ o que nos deixa totalmente acachapados _ e, pior ainda, saber que na era neolítica, entre 4 e 10 mil anos passados, a região já passava por diferentes experiências de cultura, o que se percebe na densidade e na textura cultural desse povo. Nós, em Piratini e sua região metropolitana, Cancelão, entre outras, ficamos apenas trocando a orelha, como diz o gaúcho xucro, ao se descobrir embasbacado.
Pois Linjie Zhang, além de nossa irmandade afetiva e profissional _ ambos pediatras, unidos pela pediatria, ciência maior da criança e seus contextos _ compartilhamos um interesse profundo pela poesia, forma de vasculhar nossos subsolos e, ainda, comunicar sobre os achados na forma a mais sucinta, sutil e sustentável, para soar contemporâneo. Depois dos estudos básicos na terra natal, Zhang buscou aprimoramentos em pneumologia pediátrica, em Porto Alegre, e foi, com a esposa Dan, firmando raízes por estas planícies do sul, que em algo evocam a mesma geografia lá de sua Anhui. Partilhamos da instalação do então mestrado em Saúde e Comportamento, da UCPel, e hoje ele é professor titular na Medicina da Furg.
Tentando amenizar a desproporção milenar entre nossas culturas, trato de exaltar o saber de Hipócrates de Cós e seus mais de dois milênios de Medicina Ocidental. Reforço que o grego coordenou a publicação da Coleção Hipocrática, mais de setenta volumes contendo o saber médico da época. Zhang não se abala, valoriza esse conhecimento, mas sublinha que Chang Chung-ching, século 3 a.C., alcunhado o Hipócrates chinês, escreveu um tratado clássico, "Tifóide e outras febres" e que seu colega Tsang Kung, 206 a.C., foi pioneiro, descrevendo, entre outros males, o câncer de estômago.
Pausando este 'desafio', Zhang me dá a grata notícia de que começou a traduzir poemas de Li Bai, um dos grandes poetas clássicos, enviando amostra: "Saudades em noite silenciosa" / "A luz do luar diante da cama / Imagino que fosse a geada derramada / Levanto a cabeça olhando para a lua / Baixo a cabeça pensando em minha terra".
Meu irmão é extremamente generoso, à moda chinesa, específica. Há mais de vinte anos presenteou-me uma belíssima gravura chinesa e escreveu atrás, em mandarim, "Amigos para sempre". Em contrapartida, dei-lhe A Montanha Mágica, de Thomas Mann, exaltando a passagem em que assinala que "doenças são paixões transformadas", visão ocidental, acentuo, apreciada, mesmo assim, por meu irmão.
Esta irmandade levou-me a Poemas Clássicos Chineses, bilíngue, pela LPM, que destaca Li Bai, Du Fu e Wang Wei, deste último dedico-lhe, fraternalmente: "Minha humilde casa / dá para as montanhas do sul / .../Se quiser me visitar, / venha, será um prazer".
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